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quinta-feira, 27 de maio de 2010

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“Ainda lá tenho amigos”
Com 77 anos ainda recorda bem o dia em que, finalmente, entrou na casa que seria sua durante mais de 30 anos, na primeira das cinco torres do Aleixo. O apartamento tinha três quartos de dimensões generosas e a varanda proporcionava bons momentos nas tardes solarengas. “Os elevadores ainda não existiam e tínhamos que calcorrear 190 degraus para entrarmos em casa”, lembra Adão. O sistema de canalização também não estava concluído e, para terem água, tinham que a ir buscar às obras que ainda decorriam.
Não tardou até que outras pessoas que juntassem aos Cunha. Com muita gente da Ribeira, outros vindos de outros locais, rapidamente o Aleixo ganhou vida. “E aí ficou ainda melhor. Éramos como uma grande família”, recorda o septuagenário, que confessa que, agora, “é raro lá ir”. Mas deixou lá amigos, bons amigos que, diz, “soube escolher bem”.
A degradação do Aleixo empurrou os Cunha para outras bandas, agora mais sossegadas e com melhores condições.
No final da década de 80 as coisas mudaram radicalmente no bairro. “Foi quando a droga chegou que tudo ficou mal”. Mesmo assim Adão não concorda com a demolição que se está a preparar. “Há lá muita gente má, mas também há muita gente boa. O que me deixa triste é que por causa de uns, vão pagar os outros”. Não gosta de falar desses tempos e diz não ter prazer em denegrir ninguém. Problemas a sério nunca teve, mas também nunca se pôs a jeito. Criou lá os seis filhos e ensinou-lhes o que é rectidão, honra e carácter. Garante que eles aprenderam e é com orgulho de pai que afirma que “estão todos bem”.

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Exclusivo i/Semanário Grande Porto
Bairro do Aleixo. "Tudo ficou mal quando a droga chegou"
por Ana Caridade, Publicado em 11 de Setembro de 2009 .A família Cunha foi a primeira a chegar e aqui viveu 30 anos. Hoje lamenta a demolição iminente 1974 foi um ano de enormes mudanças para o país. A moral salazarenta de um Portugal pobre, analfabeto e atrasado estava finalmente a dar os últimos suspiros e a esperança na liberdade e numa vida melhor enchia os corações e as mentes. Nesse ano, a família Cunha trouxe ao mundo o quinto filho. A alegria de ver a prole aumentar e de ter mais um rapaz perfeitinho rapidamente se desfez quando a casa onde moravam se transformou num amontoado de cinzas e destroços.
Adão e Julieta viviam na Ribeira do Porto, terra que os viu nascer e da qual conheciam cada recanto, cada escadaria, cada ruela escondida. Foi no Barredo que se conheceram, foi lá que deram o primeiro beijo, foi lá que juntaram os trapos e traçaram planos.
Naquele dia de Dezembro a vida deu duas voltas. Ou melhor, três.
Os planos para a chegada do bebé já estavam feitos e a ordem caseira estaria organizada. Quem ia dormir onde, como se iria organizar o espaço do quarto alugado onde moravam. Mas o destino quis que os projectos fossem por água abaixo e, de repente, viram-se com cinco crianças e sem um tecto que os albergasse.
“Nós já tínhamos ouvido dizer que o novo bairro, ali para os lados do Fluvial, era destinado às pessoas do Barredo”. E ouviram bem. Depois da tragédia, a câmara decidiu alojá-los no Aleixo, ainda as obras não tinham terminado. Foram a primeira família a entrar no bairro que agora está em risco de ser demolido e a dar lugar a um empreendimento de luxo. Foram os primeiros a usufruir da magnífica paisagem que deixa ver os barcos no rio, os eléctricos na marginal e os pescadores na Afurada. “Nunca tive uma casa tão boa como aquela”, confessa o patriarca da família Cunha.







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